21.5.10

Uma rua de levar para casa

Tinha desde sempre o sonho de ver o chão nascer aos quadradinhos. E não é que ele estava a ser parido passo a passo? As solas das botas caminhavam triunfantes sobre um filme a preto e branco que até à data só tinha passado por ele no mundo dos sonhos. O sorriso tapava-lhe as orelhas e era por isso que não ouvia a mãe a dizer para estar quieto, para parar de andar como um perdido e de incomodar toda a gente com os encontrões. Dizia-lhe a mãe para abrir os olhos, como se fosse possível arregalar mais aquelas duas órbitas inquietas. Havia lojas de gelados que se comiam em cones de bolacha até ter tudo desaparecido e o gelado ter parecido um sonho. Havia uma fábrica de bolos muito antiga, tão antiga que diziam ter vindo do Brasil ao sabor do vento, tendo o vento ficado adocicado desde então. Ao lado morava uma senhora africana. Da cor do chocolate. Tinha uma sociedade com o dono da leitaria. O dono da leitaria tinha entretanto oferecido uma loja de queijos ao filho mais velho, por alturas do casamento deste com a filha homem que mandou semear um jardim do tamanho de um campo de futebol. Veio gente de toda a parte para a boda. Depois do sim e do sim os rapazes mais novos jogaram com uma bola oferecida pelo inglês do correios ao noivo. Os outros convidados trouxeram todos as cadeiras para fora da igreja e ao redor do jardim fizeram uma bancada. Os pescadores contribuíram com duas redes. Em casa do ferreiro encontraram seis paus e fizeram duas balizas. No final toda a gente teve direito a levar um bocadinho da rua para casa.

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