12.6.10

A história da vida de um disco

A música Fake Plastic Trees entrou na minha vida pela porta do lado esquerdo do meu Fiat 127 azul escuro. Estava escondida dentro de uma cassete BASF preta, onde eu tinha gravado, por milagre, o The Bends de uma ponta à outra, sobre uma fita com a história dos anos 80, uma fita com gravações e re-gravações de jogos do ZX Spectrum.

Nesse dia tinha acordado cedo. Apanhei o autocarro da Sequeira, Lucas & Venturas para poupar dinheiro porque tinha o passe. Demorei duas horas e ir ao e a vir do Porto. Tinha gasto quase todo o dinheiro que tinha juntado nos meus anos. A viagem de regresso a Serzedo foi como se estivesse a regressar da Nova Zelândia: o cd The Bends ardia-me nas mãos. Li e reli a capa e contra-capa. Fiquei feliz por não ter saído na noite anterior e por ter poupado mais um dinheirinho com isso. Tinha dormido bem, estava fresco e ainda me tinha sobrado um nota de mil escudos e outra de quinhetos, como resultado dos cinco contos que tinha levado no bolso para o Porto.

O Fiat 127 foi durante uma fase da minha vida o meu relógio, o meu controlo emocional, o meu destino: saía à hora em que ele decidia pegar, aguentava-me à bronca que era o remédio e chegava onde ele decidia parar. Nesse dia fez-me as vontades todas. Arrancou quando eu quis, ouviu o disco comigo e por vezes acho que só não foi abaixo porque estava a cantar comigo e com o leitor de cassetes.Não muito longe casa, já estamos, eu e o carro, mais do que saciados quando começa a ser possível perceber que High and Dry está a chegar ao fim. Valeu! Valeu por tudo, valeu pelos três contos e quintentos em 1995, valeu pela viagem de camioneta ao Porto, valeu por ter ido e voltado a pé da discoteca à paragem dos autocarros.

O silêncio não deve ter demorado 5 segundos. A seguir veio Fake Plastic Trees… fui nadar e conseguia respirar debaixo de água. Pensei ter sido sugestão da capa do disco, mas não era. Cada acorde proporionava uma braçada para diante. Cada palavra dizia os segredos todos do fundo do mar. E depois havia ainda mais ao fundo uma luz que parecia verdadeiramente uma luz, mas não era, era o mundo. E a profundidade do mar tinha sido o regresso à barriga da minha mãe. E quando tudo parou, ali estava eu: um rapaz sentado num FIAT 127 , de frente para a praia num dia chuva com os dois vidros abertos. Certo de ter acabado de nascer. E quis nascer de novo. E voltei a puxar a fita atrás.

1 comentário:

Carriço disse...

Estranho seria ficar-se indiferente a este tema.

Abraço