1.6.10

O último cantor de charme

O melhor do Porto é capaz de ser a voz do Reininho. Nunca nenhuma boca antes, nem nunca nenhuma boca depois, conseguiu ir, e foi, pelas ruelas de pedra da cidade junto sítio onde o rio acaba e o mar começa. Sem medo das ondas. Sem reclamar betão para proteger das vagas. Ele começou antes do tempo dos paredões e saiu das dunas como se estivesse a sair todo nu, com aquela voz que mais ninguém tinha, com aquela voz que mais ninguém teve.
No século anterior ao século do casamento entre as pessoas do mesmo sexo, o Reininho já casava nos textos as palavras homossexuais, palavras que nunca se tocariam na métrica dos poetas e dos trovadores anteriores, mas que nos cadernos dele nasceram e dos cadernos dele foram conquistando o país inteiro, com a força de um Afonso Henriques, mas com a graça de uma rapariga pronta para a colheita.
O melhor do Porto é a voz do Reininho. É o palco onde ele surge, esguio ao microfone, de colarinhos moles ao pescoço, com as calças curtas e os tornozelos com vontade de espreitar a plateia. O melhor do Porto é a alegria da músicas antigas. É uma voz rouca. Aguda. À beira de uma ataque de verbos. É o som das letras do último cantor de charme em português.

7 comentários:

francisco carvalho disse...

Mesmo muito bom!
Eu estive sempre certo em gostar dele. Nem vale a pena dizer há quantos anos... Mas posso dizer que estive no primeiro concerto dos GNR com o Reininho como vocalista (e letrista, mas que letrista!), ali na Prelada, num concerto informal para os amigos e vizinhança, pois eles costumavam ensaiar numa casa da Rua Airosa...
Adolescente ou não, o Grupo Novo Rock, para mim, foi amor para sempre, mesmo com algumas desilusões e afastamentos pelo caminho...
Sim, e o último cantor de charme português assenta-lhe bem. Eu creio que ele também gostaria deste texto.

António Reis disse...

Sou do tempo de poder dizer que gosto dos GNR desde pequenino. Só soube na adolescência que o Rui não tinha sido o primeiro vocalista.
Que sorte a tua, de poderes ter participado desse concerto informal. Imagino os penteados, o calçado, a roupa toda. A Rua Airosa deve ter gostado desse concerto ;)
Obrigado pelas tuas palavras. Um abraço

Rita disse...

Também eu sou fã do Reininho e dos GNR mas como sou de Lisboa, lembro-me do concerto (e que concerto) na Alameda. Mas não concordo que seja o último. O António tem que admitir que o Pedro Abrunhosa também é um cantor de charme, e um grande escritor.

António Reis disse...

Rita, para mim, o problema do Pedro está na roupa. E ao vivo a voz também lhe sai sem charme. Já as letras e a músicas são muito sedutoras.

rita disse...

Pois, de facto nunca o vi ao vivo.
Parabéns pelo blog, encontrei através dum outro blog.

António Reis disse...

Obrigado :) (e já agora qual foi o outro blog?)

rita disse...

Foi o http://mulhercomestivel.blogspot.com/

Descobri recentemente "o mundo dos blogues", e também criei um mas é só para as minhas parvoíces.