9.6.10

Os diários da bicicleta (2)

O Belmiro nunca foi nunca foi meu avô. Comecei a saber da existência dele em casa da minha avó Emília. Havia fotografias a preto e branco com molduras ovais. Fotografias onde ele fazia pose e sustinha a respiração. Tinha cara de ser um um homem de bem. Um dia encontrei numa velha arca da sala, do tempo em que havia arcas de madeira em todas as casas, um chapéu de polícia. Não era do meu pai. Não era do meu tio. E de certeza que não era da mãe nem da minha avó. Só podia ter sido do Belmiro. Na minha ideia o Belmiro tinha sido polícia.
Sentado no soalho de madeira, acompanhado pelo cheiro da madeira com bicho, retirei da arca um cartão com uma fotografia igual às outras fofografias do Belmiro, muito quieto, muito senhor de si. O cartão dizia Bombeiros Voluntários da Aguda. Com aquele chapéu imaginei logo o Belmiro como o comandante dos bombeiros. Li com mais atenção e vi que o Belmiro era o cobrador.
A família inteira lá me foi explicando que o Belmiro era o meu avô e quando perguntava por ele a facção extremamente católica da família, a minha mãe e a minha avó Emília, respondia que o senhor o tinha chamado para o céu. Eu acho que disse que também queira lá ir.
Soube dos detalhes da morte do Belmiro uns anos mais tarde. Ela tinha uma bicileta preta com um assento largo de couro castanho. Era uma bicicleta como as bicicletas todas daquela zona e daquele tempo. Imagino que também tivesse uma pasta em pele com o livro das cobranças e uma régua de metal para cortar as cotas. O Belmiro morreu em 1965, quando fazia o traballho voluntário para os bombeiros da Aguda. Ia na bicicleta e foi abalroado por um carro na EN109. O carro fugiu e nunca soubemos quem matou o meu avô. Eu nasci quase dez anos mais tarde. Por isso digo que ele nunca teve a oportunidade de ser avô de um rapaz chamdo António.
Peguei na bicileta à meia noite. Vesti um colete florescente e desci sem luz e sem mãos nos travões a estrada que vai atè à Granja. Entrei na EN 109, passei a estação dos comboios e cheguei até perto do cruzamento onde hoje há um semáforo e onde me disseram que o meu avô Belmiro tinha morrido. A estrada é muito movimentada a qualquer hora do dia. Durante todo o percurso não passou nenhum carro por mim, em nenhum dos sentidos. Gosto de pensar que avô Belmiro estava a olhar por mim. Olhei para cima e disse: olá, eu sou o António. Sou teu neto.

2 comentários:

Carlos Couto disse...

O avô Belmiro nunca conheceu o neto António e o avô Domingos nunca conheceu o neto Carlos. O avô Domingos faleceu em 1954 com tuberculose...
Mas pelo menos sei quem matou o meu avô...

António Reis disse...

um abraço amigo Couto